Criolo expõe assuntos importantes em seu novo álbum “Sobre Viver”
06/05/2022Sobre Viver nasce com a amplidão de um clássico. O novo álbum de Criolo chegou às plataformas de música em 5 de maio, com o mesmo dom para fazer pontes, estabelecer encontros e propor diálogos entre o universo do rap e tantas outras quebradas da música do Brasil e do mundo.
O rap é o princípio de tudo e é ele quem dá a caneta nas dez canções do álbum, mas o som e a musicalidade se desdobram em múltiplas referências, seguindo a vocação dos trabalhos que colocaram Criolo no centro do mapa da música brasileira produzida neste século.
Sobre Viver começou a ser esboçado há pouco mais de um ano e, por razões autoexplicativas, se chamaria Diário do Kaos (com K, de Kleber). Era a reação de Criolo ao Brasil da pandemia. O mesmo impulso já havia dado forma ao single “Cleane” (2021), dedicado à irmã de Criolo, Cleane Gomes, vítima fatal da covid-19 aos 39 anos.
Não por acaso, ela também é personagem de “Pequenina”, faixa mais autobiográfica de Sobre Viver, escrita para a mãe de ambos. “Vocês votaram na morte”, ele rima no monumental “Sétimo Templário”, uma das faixas centrais na construção narrativa do álbum.
O racismo é exposto o tempo todo e sob diversos ângulos. “Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais” diz a que veio já no título-slogan – e Criolo quis que fosse assim sempre, a mensagem às claras e na cara. “Ogum Ogum” aborda o tema pelo viés da intolerância com religiões de matrizes africanas, o mesmo racismo religioso que serve de pano de fundo para “Yemanjá Chegou”.
Os temas são reiterados e expandidos o tempo todo, a cada faixa, o que fortalece o roteiro e solidifica o discurso. O reggae “Moleques São Meninos, Crianças São Também” diz da infância na periferia, “onde o estado não chega, a maldade traça o norte”.
Musicalmente, Criolo usa o álbum para expandir a equipe de produção em núcleos. Daniel Ganjaman, que formatou a sonoridade de Criolo nos trabalhos anteriores, segue no time. Ele está nas faixas “Ogum Ogum” e “Aprendendo a Sobreviver”.
“Ogum Ogum” também tem as mãos de outro nome fundamental na trajetória de Criolo, Marcelo Cabral, que dividiu com Ganjaman a produção de “Nó na Orelha” (2011), “Convoque seu Buda” (2014) e “Espiral de Ilusão” (2017). O próprio Criolo bota a mão na massa em dois momentos: “Me Corte na Boca do Céu a Morte Não Pede Perdão” e “Pequenina”.
São essas as faixas, aliás, que concentram as participações especiais – Milton Nascimento na primeira; Maria Vilani, MC Hariel, Liniker e Jaques Morelenbaum na segunda. Mas a maior parte das músicas ficou sob os cuidados do duo Tropkillaz, formado pelos brasileiros Zegon e Laudz. Isso porque o processo de criação de Sobre Viver partiu do encontro de Criolo com os dois produtores, com quem já havia trabalhado nos singles “Sistema Obtuso” (2020) e “Cleane”.
Ouça o álbum aqui embaixo:
Como vinha de uma série de cinco singles com videoclipes cinematográficos (“Etérea”, por exemplo, passou em quase 50 festivais pelo mundo), toda a parte visual de Sobre Viver se pauta pelo minimalismo. Por ora, nenhuma faixa do novo trabalho vai ser desdobrada em clipe.
É uma maneira de inverter a lógica e dar maior ênfase à música e às inúmeras interpretações que dela podem provir, nas cabeças dos ouvintes, sem a “viagem guiada” do audiovisual, que acaba levando o espectador por um caminho definido. Em vez de mil imagens, cada faixa do novo álbum foi vinculada a apenas uma cor.
Para chegar aos tons ideais, o diretor criativo Tino Monetti fez uma pesquisa sobre a história das cores, seus significados em diferentes tempos, sociedades, contextos culturais e momentos históricos. Criolo rebatizou todas elas, dando um sobrenome conforme o universo da respectiva canção.
“Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais” é verde grana; “Moleques São Meninos Crianças, São Também” é rosa criança; “Yemanjá Chegou” é azul sereno, etc. A direção de arte é de Pedro Inoue. A foto da capa é assinada por Helder Fruteira, com direção de arte de Alma Negrot. A direção geral segue nas mãos de Beatriz Berjeaut.
Assim se dá o diário do caos de Criolo, transformado pela caminhada em um ensaio ultracolorido sobre a sobrevivência. Na maior parte do tempo, em cor de vermelho sangue, é verdade. Mas ele não nos deixa esquecer: sangue também é a cor da vida.